É muito comum as concepções escatológicas preverem o fim do mundo para estes dias. Ou no mais tardar, amanhã. Não obstante este amanhã seja, muitas vezes, para daqui uns dias. Quando me pego pensando nisso, sobre o fim das coisas, necessariamente penso sobre começos também. E até sobre os meios. Sobre começos, meios e fins, me demoro cavilando, às vezes. Não que eu saiba exatamente onde está o começo, o meio e o fim de muitas coisas. Afinal, nem sei tanto sobre coisas, quantas existem, quais particularidades encerram, de onde vieram e por aí afora.
Mas, gosto de pensar no fim de algumas coisas. Gosto de gostar do fim de uma dor de dentes, de uma topada forte quando estou descalço e estraçalho o dedão em um paralelepípedo saliente, de botar fim no desejo ansiado, de entregar a demanda corporativa, de resolver um problema que meu liderado me traz, de finalizar o dia de acordo com o escopo das minhas funções. Fim é bom. Claro que não todos. Aqui, como no geral, o meio termo Aristotélico orienta.
Acho que Deus caprichou quando criou tudo e caprichou mais ainda quando criou o fim. Botar fim nas coisas tem lá seu encanto e presteza. E para nós, humanos, encerrar as ações e eventos conta até como sinônimo de maturidade, responsabilidade, competência. Né não? Pensando em termos corporativos, quem não conhece alguém que não termina nada? Que enrola com constância, adiando, remarcando, fugindo. Quantos não terminam aquela demanda que seu gerente ou coordenador enviou ou aquele pedido que seus liderados fizeram? Gestores que procrastinam paulatinamente, rotineiramente. Que não colocam em prática aquele feedback que porá aquela fase ou postura inadequada no passado. Quantos vivem se desculpando apenas porque não finalizaram tarefas, porque não souberam dividir melhor seu tempo, porque não souberam distinguir tarefas urgentes, importantes ou emergentes? Gestor que não planeja, que não põe fim ao amadorismo, ao sentimentalismo exacerbado.
É necessário desenvolver Inteligência emocional para saber como e quando finalizar. Colocar fim em determinadas fases da vida. Para saber que muitos fins são colocados por outras pessoas e que dizem respeito às nossas vidas enquanto se desenvolve resiliência. O que não deve ser feito é construir contos de fada sobre o que acontece e sempre responsabilizar o outro. Veja-se, por exemplo, o que fazia o norte-americano Mark Twain, apelido de Samuel Langhorne Clemens, autor dos livros “A aventura de Tom Sawyer e a aventura de Huckleberry Finn”. Quando se agastava com alguém escrevia uma carta para a pessoa com cobras e lagartos. Guardava-a no bolso por três dias. Se neste período a tristeza da situação com o outro não passasse ele colocava a carta no correio. Se passasse o desgosto, rasgava a carta. Mas, esperava três dias. Tratava-se. Colocava fim numa situação desconfortável. E tinha prazo. Dava-se três dias para trabalhar o fim da situação dentro de si. Talvez soubesse que este tempo seria suficiente.
Por isso e por muito mais devemos nos preocupar com o fim das coisas e das ações. Não botar fim enquanto não for a hora, e não deixar de por fim quando chegar a hora. Saber o momento de finalizar revela muito do profissional. Desenvolver a habilidade de findar é sumamente importante para quem se emprega como gestor. Seja em pequena ou grande ação, cuide mais do fim, do acabamento. Começos malucos podem ser corrigidos e virarem um fim glorioso. Coisas que começaram mal podem se transformar em boas. Quanto ao fim, o que fazer? Provavelmente não muito ou até nada. É fim. Claro que o ciclo se reinicia, que é possível recomeçar e estas coisas. Mas, não é disso que falo. Falo sobre o cuidado com o fim e a necessidade de aprender, com maturidade, responsabilidade e sabedoria, a colocá-lo.
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